Uma homenagem aos brasileiros que não tiveram protetores na hora do pesadelo.
Li muitas coisas sobre a morte de Ruy Mesquita. A maior parte do que
li poderia muito bem não ter lido, essa é a verdade – lugares comuns
lacrimosos e sentimentais pouco vinculados à realidade.
De minhas leituras o que mais me incomodou foi o elogio ao “grande
democrata” que “salvou seus jornalistas perseguidos”. (Aqui, cabe uma
comparação com Roberto Marinho, que se gabava de cuidar, ele mesmo, de
“seus comunistas”.)
Bem, é uma colocação amplamente absurda, e ofensiva para aqueles que
não estavam sob o guarda-chuva de golpistas como Mesquita e Marinho.
Vamos ao caso célebre, o do jornalista Vladimir Herzog, da TV
Cultura, torturado e morto por uma ditadura que provavelmente jamais se
instalasse não fosse o trabalho de sabotagem antidemocrática feita por
Ruy Mesquita e congêneres.
Fosse genuinamente democrático, Mesquita não tramaria, com seu jornal, contra um governo eleito nas urnas.
Ser democrático é, acima de tudo, respeitar as urnas.
No livro Dossiê Geisel, que traz documentos pessoais dos anos do poder de Geisel, você pode ver o verdadeiro Ruy Mesquita.
Numa carta ao então ministro da Justiça, Armando Falcão, Mesquita
fazia o elogio do general Castelo Branco, como se se tratasse de um De
Gaulle e não do general ultraconservador que deu início a um pesadelo
que duraria mais de duas décadas.
Nela, Mesquita mostrava outra traço forte seu e da família: o racismo
arrogante. Ele se queixava a Falcão de que o Brasil, pós-Castelo,
corria o risco de virar uma “Uganda”, ou uma “republiqueta
hispano-americana”.
Canonizá-lo por haver dado uma mão a um ou outro jornalista do Estadão em apuros é um erro extraordinário.
A ditadura que perseguiu, torturou e matou tanta gente foi possível
graças ao trabalho de boicotagem da democracia de pessoas como Ruy
Mesquita. (A família Mesquita já tinha as mãos sujas no suicídio de
Getúlio Vargas, aliás.)
Antes de louvar Ruy Mesquita, ou Roberto Marinho, por ter ajudado
este ou aquele, pense em tantas outras pessoas que ficaram expostas à
brutalidade que os barões da imprensa tanto contribuíram para que se
tornasse realidade entre os brasileiros.
Pense em Herzog, por exemplo.
Na cela em que ele apareceu enforcado, depois de ser barbaramente
torturado, ele estava sozinho, absolutamente sozinho – como tantos
outros brasileiros que não tinham o telefone de Ruy Mesquita para ligar
na hora do pesadelo.
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