segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

HÉLIO LUZ: “O ESTADO CRIOU ESTES CARAS”


A entrevista que publico abaixo, realizada com Hélio Luz ex-chefe da Polícia do Rio de Janeiro (de 1995 a 1997) e publicada pelo Zero Hora ratifica a reflexão deste blogueiro no texto "NÓS, OS DERROTADOS". O problema é muito maior do que simplesmente retomar áreas da cidade que estão sob o comando do tráfico. Confira:

DO ZERO HORA

Hélio Luz, radicado em Porto Alegre, sua cidade natal e onde residem familiares, o ex-chefe da Polícia do Rio de Janeiro (de 1995 a 1997, durante o governo de Marcello Alencar) acompanha com interesse a situação lá. Delegado aposentado, Luz dirigia a Polícia Civil do Rio quando agentes prenderam o traficante Marcio Nepomucemo, o Marcinho VP, apontado como um dos líderes do tráfico no Complexo do Alemão – para onde fugiram bandidos armados expulsos da Vila Cruzeiro, na última quinta-feira.
A entrevista para o Zero Hora é de Carlos Etchichury; foi publicada em 28 de novembro de 2010.
A imagem de jovens esfarrapados, armados com fuzis, escopetas, metralhadoras e pistolas, não surpreende Hélio Luz.
– O Estado nunca teve uma política de segurança de médio ou longo prazo. O Estado sempre atuou com uma política de segurança imediata – diz.
Eis a entrevista.

Zero Hora — Como funciona o comando do tráfico no Complexo do Alemão?
Hélio Luz – Ele é diferente das demais favelas. É preciso voltar no tempo. Um dos fundadores do Comando Vermelho (CV), Rogério Lemgruber, o Bagulhão, foi preso na Ilha Grande, na época da ditadura, e conviveu com presos políticos.

Zero Hora — Qual a influência da convivência com os presos políticos?
Hélio Luz — Quando ele saiu da Ilha Grande, começou a se organizar e se juntou com outros líderes. Um deles era o Orlando Jogador, que era do Complexo do Alemão. O Comando Vermelho começou a tomar o espaço de outras favelas, mudando a relação com a comunidade. O pessoal que assumia não tinha respeito com a população, porque era de outra área. O Orlando Jogador cresceu naquela área até ser morto, em 1994. Em seu lugar, assumiu o Marcinho Nepomucemo, o Marcinho VP (Vila da Penha), que era o braço direito do Orlando. Ele era da comunidade, e isso fez toda diferença (mesmo preso, Marcinho VP continua dominando o Complexo do Alemão).

Zero Hora — As imagens da Rede Globo o surpreendem?
Hélio Luz – É uma situação antiga. Esta formação não foi feita em dois anos, cinco anos. Ela foi feita ao longo de 30 anos. Eles conseguem se sustentar no Complexo do Alemão, diferentemente de outras áreas, porque são de lá. Eles conhecem bem o terreno e a comunidade. Mas eles não constituem exército, milícia, coisa nenhuma. É um bando de garotos que não têm nada na cabeça. O fato de eles fugirem juntos supõe algum nível de organização de enfrentamento. Mas não têm.

Zero Hora — Qual foi o momento em que o Estado perdeu o controle da situação?
Hélio Luz – O Estado nunca teve uma política de segurança de longo prazo. Nem de médio prazo. O Estado sempre operou com política de segurança de resultados. Há duas causas para o que nós estamos vendo. Uma, mais remota, e mais grave, que é a questão social. Outra, mais próxima, é restrita à área de segurança.

Zero Hora — A impressão é de que se trata de um grupo organizado.
Hélio Luz -- Quando ocorre esta ação espetacular, você pensa que o Estado venceu e que nós estamos derrotando um inimigo. Mas eles não são inimigos do Estado, eles são integrantes do Estado, mas foram marginalizados. O Estado criou estes caras. É produto direto do que nós fizemos. Num nível mais direto da segurança é resultado da corrupção das polícias do Rio.

Zero Hora — A polícia do Rio é corrupta, como mostrou os filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite II?
Hélio Luz -- É muito mais. Se fosse como o filme, seria ótimo. O grande problema é quantas vezes estes garotos foram presos e soltos? Foram para delegacia e liberados? Nem fichados são. Por quê? Porque tem acerto. Eles existem pela permissividade da polícia. Além disso, há questões de fundo. Eles prendem estes 200 que nós vimos fugindo, mas vão colocar aonde? E os outros, sei lá, 20 mil que têm no complexo com a idade deles? Tem política para eles? Vai ser proporcionada uma vida decente para eles? Como será feita a manutenção da área ocupada?

Zero Hora — Qual a opinião do senhor sobre as UPPs?
Hélio Luz — É interessante. Eu não entendo por que colocam recrutas para montar UPPs. Eles dizem que, na média, são uns 200 recrutas com um oficial. Nas 14 UPPs,  dá algo em torno de 2,8 mil recrutas, 3 mil recrutas. Então, 3 mil recrutas estão resolvendo a situação da criminalidade no Rio? Tem um contingente de 40 mil policiais, mais 10 mil na Polícia Civil, que não resolveram o problema da criminalidade. É isso que estão dizendo? Se é isso, estão confirmando que o problema é corrupção.

Zero Hora — Qual a solução para o Rio?
Hélio Luz – É desconcentração de renda. Quem tem de dar palpite sobre a segurança no Rio é aquele professor de Pernambuco, o Mozart Neves (ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, integrante do movimento Educação para Todos). O negócio é educação. Não tem saída.

Zero Hora — O senhor já participou de grandes operações no Complexo do Alemão?
Hélio Luz -- Já participei de operações, mas não de grandes operações. Não precisa. Claro que agora, com essa situação, são necessárias mobilizações. Mas os principais vagabundos do Rio foram presos sem dar um tiro. Tu prende o cara no asfalto.

Zero Hora Esta é a situação mais crítica do Rio?
Hélio Luz --  Em 1994, havia 140 pessoas sequestradas no Rio. O problema era muito sério. Os empresários, na época, queriam sair do Rio. Eles faziam seguro com empresas americanas para ter segurança na cidade. Foi um período de caos. Acabou o sequestro no Rio. Por que acabou? Porque a polícia antissequestro parou de sequestrar.

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