Exª Srª Presidente,
Sou Maria de Lourdes Romanzini Pires Cerveira, ex-presa política em
1970 no DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita- RJ, juntamente com meu
marido, Joaquim Pires Cerveira e meus dois filhos (17 e 11 anos) onde
permanecemos até o sequestro do Embaixador alemão, que libertou meu
marido e mais 39 companheiros, banidos para Argélia. Fui colocada em
liberdade uns dias após, porém não pude me encontrar com meu marido no
exílio porque estava indiciada num processo da VPR e minha liberdade era
relativa. Tinha que me apresentar com meus filhos (um deles fez 18 anos
naquele cárcere dos horrores) à 2ª Secção do Exército, no Antigo
Ministério da Guerra no RJ, duas vezes por semana, para provar que não
tinha fugido.
A razão de minha carta deve-se as ameaças que
novamente pairam sobre a minha família já tão dilacerada, por uma vida
de perseguição e dor. Não falo por mim que venho recebendo também
ameaças por telefone. Mas, tenho 80 anos. Peço pela segurança de meus
filhos e netos, principalmente por minha filha Neusah Cerveira, a única
que pode acompanhar o pai ao exílio. A senhora certamente não ignora que
meu marido, Joaquim foi sequestrado em dezembro de 1973 pela operação
condor na Argentina, onde depois de brutal suplício foi assassinado na
madrugada do dia 14 de janeiro de 1974. Nossa vida, como de tantos
outros familiares passou a ser de buscas pelos restos mortais de meu
marido e por justiça. Neusah, por ter acompanhado o pai ao exílio, onde
permaneceu no Chile com o pai até uns dias antes do golpe, por ter sido
testemunha de muitos fatos, permaneceu algum tempo na ilegalidade.
Posteriormente, foi incansável, sempre ao meu lado nas buscas pelo
esclarecimento dos fatos e autores dos crime de lesa humanidade cometido
a seu pai e por extensão a nossa família.
Com o passar dos anos,
como as perseguições à nossa família não terminassem, Neusah decidiu se
retirar por uns tempos para uma cidade do Nordeste, para se dedicar
exclusivamente ao seu aprimoramento acadêmico, tornar-se pesquisadora, e
prosseguir sua busca pela verdade e pela justiça amparada pelo ambiente
acadêmico.
Efetivamente concluiu uma pesquisa defendida e aprovada
(com indicação para publicação) na Universidade de São Paulo com o
título: MEMÓRIA DA DOR – A Operação Condor no Brasil. 1984/1973 que se
encontra no prelo, pronta para ser publicada desde 2008 (LCTE-Editora).
Minha filha não publicou seu livro, porque sofreu dois atentados (o
primeiro no RJ, onde a delegacia do Leblon investiga até hoje, quando
foi torturada (ainda tem as marcas)). O segundo no RN com minha neta,
então com sete anos. Sequestro em que houve envolvimento da polícia
civil do estado. Por essa época, Neusah, já fora aprovada em concurso
público para professora do ensino médio no RN. Além disso, uma casa de
minha propriedade no RN, na qual Neusah escreveu e guardou seu material e
computadores de Pesquisa, foi vandalizada, o material levado, as
paredes pixadas com ofensas contra meu marido morto. Além de terem
levado também minhas lembranças com meu marido, entre outros ultrajes
cometidos contra a memória de nossa família guardados nessa casa. Nunca
isso foi esclarecido pela polícia do RN. Neusah se encontrava no RJ
comigo, pois eu estava adoentada. Viajamos para lá, onde decidi vender a
casa pela metade da metade do seu valor, quando vi aquilo.
Neusah tinha sua própria casa, já que tinha mais dois empregos e sempre foi muito independente.
Minha filha nunca desistiu de suas pesquisas para encontrar o pai e
demais companheiros e fazer-lhes justiça. Também se tornou uma
incansável batalhadora pelos Direitos Humanos em qualquer lugar do mundo
onde fossem violados. Festejou a Comissão da Verdade e se colocou a
disposição de colaborar com documentos e das formas em que sentissem que
era necessária.
Minha filha faz muitos anos é porta voz oficial de nossa pequena família.
Depois das últimas eleições no RN, onde houve uma mudança das forças no
comando (o Partido Democratas, assumiu o executivo) que quase coincidiu
com a Instauração da Comissão da Verdade, onde Neusah compareceu como
convidada, representando nossa família, vimos sua segurança ser
novamente violentamente ameaçada. Especificamente, depois do encontro
como Ministro da Justiça em Maio desse ano. Começou a receber
telefonemas ameaçadores, a ponto de ter retirado o aparelho, para que
sua filha não tivesse que escutar aquilo tudo (minha neta é bastante
traumatizada, pelo sequestro que viveu com a mãe). As ameaças se
estenderam pela internet e com apedrejamento da casa. (No telhado,
acredito que se a polícia tivesse cumprido seu papel e feito uma
perícia, ainda encontrariam pedras e outros objetos, que quebraram
telhas e mais telhas) Concertou a cerca elétrica 10 vezes, desde 1º de
março de 2012. Seu carro era seguido por motos. O muro esburacado, o
lixo remexido, ameaças pelo celular. Fotografada em Shoppings e
restaurantes, sempre com a filha. Começou a se isolar dos amigos e
recusar convites para congressos. Chamava a PM, que só lhe aconselhava a
deixar o RN, porque era uma mulher sozinha com uma filha. Minha filha é
bastante parecida com o pai, durante a fundação do GTNM (original) do
qual fomos membros da fundação era chamada, pelo Coronel Morais que
perdeu uma filha para a ditadura de: “Cerveirinha” (ele conheceu meu
marido no Exército) por ter herdado dele, extremo otimismo, determinação
e bondade... além de uma infinita fé no ser humano.
Como dizia, as
coisas pioraram, pedíamos para Neusah deixar o RN, mas pela sua imensa
independência, não aceitava abandonar os empregos e nem simular uma
doença para obter uma licença.
Sempre viveu modestamente, por
escolha própria, organizada com suas contas. Adotou crianças que ninguém
queria, embora já fosse mãe biológica e pudesse continuar a ser.
Amigos que reconheciam e reconhecem sua competência, tentaram ajudá-la a
entrar numa Universidade Pública no sul ou sudeste. Era sempre recusada
porque teimava em não abrir mão de suas convicções e objetivos
humanistas.
Até que no dia 18 de julho sofreu um grave atentado em
Natal, prestou queixa na 1 dp de Parnamirim, fazendo um BO. Resultou
inútil. No dia 23, chegou em casa e encontrou tudo aberto, a cachorrinha
desmaiada. Nada de valor foi levado. Apenas documentos pessoais, álbuns
dela com seu pai no exílio, sua filmadora e alguns que ela pretendia
encaminhar para a Comissão da Verdade. A casa estava um caos. Fez outro
BO na 1ª DP de Parnamirim, onde o delegado prometeu uma perícia. (nunca
aconteceu). No dia 30, novo atentado e invasão da casa dessa vez com
minha filha e neta dentro de casa. Tiros e Neusah chamou a PM, que
compareceu 3 horas depois, ficando 5 minutos, aconselhando-a como sempre
a ir embora. Minha filha fez outro BO na 1 DP onde foi muito mal
recebida. Devo relatar também que uns dias antes vinham se
intensificando as ameaças, e chegou a haver nova invasão da casa e
destruição da cerca elétrica que tinha acabado de ser concertada. Neusah
não deu queixa policial, porque era período de provas bimestrais de
seus alunos.
Começaram a se intensificar as denúncias de seus
companheiros, temendo por sua vida. Minhas também. No dia 31/07 recebeu
um telefonema de uma senhora chamada Vanezza, dizendo que era da parte
da Presidência da República, que ela e sua filha arrumassem uma pequena
mochila, não levassem computadores, nem celulares que seriam retiradas
do RN e levadas a Brasília. Disseram que seriam retiradas pela Polícia
Rodoviária Federal, discretamente, e inclusive forneceram os nomes dos
agentes. Forneceram-lhe por mensagem dois telefones para que ligasse
assim que chegasse a seu destino. Minha filha já tinha tomado à decisão
de pedir asilo político (que já estava inclusive em trâmites), mas ela
pediu minha opinião: eu pedi a ela que fosse, desse uma chance... ela
foi. Foi montado um verdadeiro aparato de guerra, com metralhadoras
quando elas foram retiradas de casa. Foram numa viatura. Seguida de
outras. Para surpresa de minha filha, não foi levada ao aeroporto e sim a
uma pousada no Bairro de Ponta Negra, cuja localização é mais perigosa
que sua casa. Chegando lá, com a polícia, foram instaladas num
apartamento que dava para um descampado. De manhã foram abrir a janelas e
foram fotografadas. Resumindo, Srª Presidente, minha filha ligou para
os “telefones secretos” que lhe foram dados. Atendeu uma pessoa que não
correspondia aos nomes que lhe deixaram. O Hotel lhe comunicou que
deveria sair até o meio dia. Ficou aguardando, quando ligaram “as
pessoas que se diziam secretas” argumentando que ficaria até sexta e que
poderia sair à vontade para almoçar ir ao banco. Neusah, contou que já
estava localizada. Nada demoveu aquelas pessoas. Pediram (Neusah e sua
filha) um lanche no quarto e ambas ficaram bem doentes. Estavam sem
dinheiro porque minha filha tinha medo de sair e sua filha ser morta ou
sequestrada. No terceiro dia de cativeiro, sem comer, doente e tomando
água da torneira, minha filha conseguiu me ligar pelo celular, porque
alegando estar doente pediu que a gerente do Hotel fosse a seu, quarto
com resumo da fatura e esclarecimento de quem fez as reservas.
Estarrecida ficou sabendo que a Pousada era da sobrinha da Governadora
do Estado do RN. Que inclusive conhecia, e lhe forneceu a reserva, que
foi feita segundo a documentação por ela mesma: Neusah Cerveira por
apenas uma diária. Posteriormente paga, por uma sigla desconhecida com
pedido de nota fiscal eletrônica, por E: Mail da Srª Josy Campos. A
proprietária inclusive perguntou por que ela tinha sido trazida pela
polícia e a chamou de Drª Neusah Cerveira, dizendo: já falei para minha
tia da sua presença aqui na nossa Pousada. (a tia no caso é a
governadora do DEM, Rosalba Ciarline, inimiga política de minha filha e
de todos os defensores de DH) Começamos então, ligar com insistência
para autoridades possíveis de Brasília para que a resgatassem dali. Já
sabíamos e isso Neusah tinha informado, que seus perseguidores eram
pistoleiros de aluguel de uma cidade do RN, famosa por esses tão pouco
ilustres moradores, que tem até uma tabela de preços para assassinatos
por encomenda!
Srª Presidente, só conseguimos que alguém aparecesse lá no dia 03/08.
Disseram a minha filha que seria ouvida pelo Procurador da República, o
que efetivamente aconteceu. Posteriormente disseram que agentes da
Força Nacional, iriam com Neusah e sua filha, (que estavam e ainda estão
fracas e com infecção gastrointestinal) Só que indicaram que fossem num
camburão da Polícia Rodoviária Federal, os outros iriam fazer uma
vistoria e a perícia do local e do carro.
Elas foram, e chegaram
novamente ao escurecer, como criminosas em sua casa, que estava com a
porta da frente aberta. Logo depois chegaram três senhoras de táxi e
mais três senhores com a camiseta da Força Nacional. Tiraram algumas
fotos e disseram que elas ficariam ali. Não adiantaram os protestos de
minha filha, para que levasse ao menos minha neta. Quando Neusah
percebeu que nada poderia ser feito pediu um telefone, já que jamais
ninguém lhe mostrou uma credencial. Ao contrário enquanto minha filha
prestava o depoimento para o Procurador, a Srª Vanessa ficou na sala, e
por duas vezes pegou o celular da minha filha e ficou lendo suas
mensagens e telefonemas, fotos, coisas pessoais. Neusah pediu para
conversar a sós com o Procurador, que mesmo contrariando as referidas
senhoras, aceitou. Toda hora a Vanezza abria a porta, tentando
interromper essa conversa, cujo teor não levarei a público. Não agora.
Neusah, já tinha procurado inclusive a OAB/RN onde prestou depoimento e
lhe foi recusada uma cópia. Mas, temos como comprovar. Disseram que o
Presidente da Comissão da Anistia da OAB, não podia perder tempo, morava
em outra cidade e tinha que cuidar de sua sobrevivência. Era um
voluntário.
Minha filha ficou sozinha na casa com sua filha. Fazia
tempo que dormia por sua conta e dinheiro em pousadas o que voltou a
fazer agora. Ontem tiveram que dormir em casa porque quando seus
“protetores” foram embora, era muito escuro e perigoso para sair.
Antes de sair, a Srª Vanezza deu a minha filha 192,00 e pediu que Neusah
assinasse uma diária de 300. Minha filha assinou. Estava tão debilitada
que nem se preocupou mais com isso. Na verdade esses 192 reais pagos
com cartão de crédito da minha filha foram motivados pelos muitos
telefonemas a cobrar dados aos “telefones secretos” e recebidos dos
mesmos telefones. Eu fiz questão e recomendei a minha filha guardar
esses 192 reais em espécie, que foram trocados num pequeno comércio
vizinho. Mas, porque Neusah assinou um recibo de diária de 300 reais?
Hoje minha filha e minha neta foram ao mesmo comércio e ouviram dos
vizinhos que esperam que tudo corra bem. Qualquer um pode ser preso!
Quem sabe confundiram sua mãe com traficante? Disseram a minha neta!
Tudo vai dar certo. Consolaram pela prisão!
Então eu pergunto
Presidente Dilma Russeft: isso vai ficar assim? A quem responsabilizo,
por tanta incompetência ou maldade? Minha filha vai perder o emprego
porque estava “protegida/presa” por defender os DH e a memória de seu
pai?
Faço-lhe um pedido, Presidente: tire minha filha e minha neta
do RN e resgate pelo menos a memória recente! Minha filha vai passar por
suspeita de ter sido presa como traficante, ou outra coisa? Vai ser
morta? Deve pedir asilo? Não querem mais minha filha no Brasil? Não
precisa matar. Em cinco dias fiquei com os cabelos totalmente brancos!
Esse país não devolve os restos mortais do meu marido e agora quer matar
minha filha por perseguir essa demanda com obstinação.
Sem mais,
Saudações
Maria de Lourdes Romanzini Pires Cerveira
(Historiadora)
CI: 05 128 7750-7 MINISTÉRIO DA DEFESA
CPF: 160 174 639-34
Rio de janeiro, 04/08/2012.